quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Explicações de Português
A minha resistência (de quase findos 28 anos) a ler Miguel Esteves Cardoso foi, assumo, absolutamente ridícula!
Tenho vergonha de tão tarde ter pegado na leitura do nosso (pouco) estimado MEC.
Já tinha lido alguns dos textos que estão compilados (como adoro esta palavra: compilar!) neste excelente livro. De uma forma ou de outra já tinham chegado até mim como se quisessem ser indícios de um caminho que eu não via, mas que se estendia como hipótese a seguir. Após algumas leituras pontuais, cedi e comprei o "Explicações de Português".
Não fosse eu uma explicadora de Português, ora que melhor livro para trazer ao colo do que este? E como é difícil explicar Português e ao mesmo tempo uma paixão violenta e consumidora. As explicações do Miguel são diferentes das minhas, mas ao mesmo tempo não são em nada diferentes das minhas! As dificuldades devem ter sido as mesmas que eu sinto: explicar português a portugueses. Um inferno para os fazer entender que em + a = na! Um verdadeiro inferno fazê-los entender seja o que for, raios! O pior é dizer: isto que agora vais ficar a saber é extraordinário. Ora, se o portuga ouve uma coisa destas, seja qual for a sua idade, nada feito, melhor: tudo estragado!
Há muito tempo que não lia um livro que pudesse considerar tão meu. Fez-me rir no metro (com os invejosos a olharem para mim) fez-me chorar nas pastelarias (com os curiosos a olharem para mim), provocou em mim um misto de sensações e emoções como há muito um livro não conseguia fazer. A poucas páginas do fim... Lamento que ele se aproxime página a página...
Só posso ter a certeza de uma coisa, se ambos tivéssemos partilhado o mesmo tempo e espaço de época liceal, eu e o MEC teríamos sido sem qualquer sombra de dúvidas grandes amigos!
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
William Carlos Williams
I have eaten
the plums
that were in
the icebox
and which
you were probably
saving
for breakfast
Forgive me
they were delicious
so sweet
and so cold
Obrigada Miguel Tamen :)
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
Elizabeth Barrett Browning
I love thee to the depth and breadth and height
My soul can reach, when feeling out of sight
For the ends of Being and ideal Grace.
I love thee to the level of everyday's
Most quiet need, by sun and candle-light.
I love thee freely, as men strive for Right;
I love thee purely, as they turn from Praise.
I love thee with a passion put to use
In my old griefs, and with my childhood's faith.
I love thee with a love I seemed to lose
With my lost saints, --- I love thee with the breath,
Smiles, tears, of all my life! --- and, if God choose,
I shall but love thee better after death.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
Medo
Jean Retz disse que "de todas as paixões, o medo é aquela que mais debilita o bom senso". Pois é, hoje falo mesmo de mim.
Nunca me considerei uma pessoa com medo, sempre fui (demasiado) inconsciente e inconsequente para poder ter medo. Nunca tive medo da (minha) morte, nunca tive medo da doença, nunca tive medo de arriscar fosse o que fosse, fosse no que fosse. Sempre a alto e bom som proclamei o meu desprezo intelectual e físico por quem tem medo! Desprezo, acima de todas, as pessoas que se contentam com o suficiente e que têm medo de ir atrás daquilo que verdadeiramente querem (já o disse o grande Pessoa "ser descontente é ser homem") e lamento as pessoas que ficam presas na armadilha do medo e cingem a sua vida ao que conhecem, ao que é (considerado) seguro.
Devo confessar que esse meu "desmedo" me tornou uma pessoa de muito pouco bom senso. Todos nós temos arrependimentos na vida, há coisas que tenho no meu passado que classifico como autênticos desperdícios de tempo (do meu e do deles e sim estou a falar de relações), mas esse sentimento não me persegue, não me atormenta e acho que se voltasse atrás nem mudaria nada na minha vida. Esta é a vantagem da falta de bom senso: no regrets!
Agora parece que a coisa mudou... Sem eu perceber como ali cheguei, encontro-me em pânico ao volante a 140 km/h na autoestrada porque, de repente, deixei de reconhecer o caminho que faço há anos. Imagens de acidentes de automóveis povoam-me a mente enquanto conduzo, atropelamentos, cada vez que atravesso a estrada, violações e estropiações cada vez que saio à noite de casa... Olho para as pessoas que amo e imagino-as mortas, imagino-me a chorar por elas, imagino-me a enterrá-las e a tentar viver sem elas... Olho para o meu corpo e vejo velhice. Dói-me a cabeça e penso em tumores, tusso e penso em cancro, fodo e penso em SIDA!
De repente, dei por mim numa espiral de medos! Não vem de mim, parece que me apanhou no caminho. Um vírus que se apanha e que se instala na nossa cabeça. Nunca tive tanto medo na minha vida e tenho medo de não parar de o sentir.
Será só uma fase e tenho que a ajudar a encontrar o seu caminho de saída...
I went to the Garden of Love,
And saw what I never had seen;
A Chapel was built in the midst,
Where I used to play on the green.
And the gates of this Chapel were shut
And "Thou shalt not," writ over the door;
So I turned to the Garden of Love
That so many sweet flowers bore.
And I saw it was filled with graves,
And tombstones where flowers should be;
And priests in black gowns were walking their rounds,
And binding with briars my joys and desires.
William Blake, The Garden of Love
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
José Carlos Ary dos Santos
Toldam-se os olhos donde corre a vida.
Porquê esperar, porquê, se não se alcança
Mais do que a angústia que nos é devida?
Antes aproveitar a nossa herança
De intenções e palavras proibidas.
Antes rirmos do anjo, cuja lança
Nos expulsa da terra prometida.
Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,
Antes o olhar que peca, a mão que rouba,
O gesto que estrangula, a voz que grita.
Antes viver do que morrer no pasmo
Do nada que nos surge e nos devora,
Do monstro que inventámos e nos fita.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
Tema para Bernardo Sassetti
Da matéria que se mostra mim livre de regência
Mato a dor de sentir demais, de amar demais, de pisar demais
Em convenções fundamentais
Encho a cabeça mas não há carga nos contentores
Digo olá aos meus amores, bem-vindas novas cores
Da utopia eu crio filosofia todo o dia quando a apatia
Senta no meu colo e arrelia
Eu faço a liturgia da verdadeira alegria
Musica nos meus ouvidos agua benta em benta pia
A caminho com prudência eu não esqueço a violência
Que levou alguns dos melhores da minha existência
Mata a saudade de curtir demais,de tirar demais, de pisar demais
Em convenções fundamentais
Eu uso o tacto pra trazer a agua da minha fonte
Hoje em dia nem sequer preciso atravessar a ponte
Tenho a palavra escrita a tinta negra na minha pele
Menina dos meus olhos, doce como o mel
Palavra puxa palavra põe-me disponível pra amar
Tudo aquilo que me seja sensível
E não são poucos aqueles que eu quero sem sequer os poder ver
Foi tanto o que me deram para nunca mais esquecer
Palavra de honra, guardo a palavra no meu bolso
Na parede, no conforto de uma cama de rede
Palavra de honra
terça-feira, 20 de julho de 2010
Capaz de emborcar uma inteirinha de absinto!
Gentilmente, quando a noite cobre o Homem, eis que o meu cavaleiro fantasma vem ter comigo. Há tanto tempo que não o via... Julgava-me livre dele, melhor, julgava a todas as suas perguntas ter respondido de uma vez por todas. Mas não, as mesmas perguntas me traz ele, agora mais impaciente pelas respostas do que antes. Sempre o mesmo ritual, sempre a mesma conversa e sempre a mesma angústia que me corrói o interior, o desespero de não entender o que ele me diz, de não saber qual é a resposta que ele quer que eu lhe dê!
Sinto as saudades a escorrerem para dentro de mim, a pesarem-me no interior e a minha força a sumir vertiginosamente. Sinto a saudade a amargar-me a boca, a arranhar-me a garganta, a arrepiar-me a pele e a empurrar-me os olhos para o chão.
Meu querido, meu sol, minha paixão, minha ternura... meu amor! Onde estás tu?
Volta para mim! Volta a dourar os meus dias, volta a acalmar as minhas noites... Traz a minha parte boa de volta e faz-me feliz como só tu soubeste fazer...
Mas enquanto tu não vens, amor, meu cavaleiro fantasma, senta-te aqui junto a mim, dediquemo-nos ao que aqui te traz...
quinta-feira, 15 de julho de 2010
Melodramatismo
Se eu desaparecesse, levaria comigo todo o mal do mundo, todo o horror que dissemino, toda a dor que te causo. Se eu desaparecesse, deixariam de existir todos os problemas que te atormentam, ficarias livre para o resto da tua vida da existência miserável para a qual te arrasto...
Um raio que me caísse em cima, uma dor no peito que me fechasse os olhos, uma pancada na cabeça que calasse todas estas vozes...
Gostava de desaparecer, nunca mais ver os que amo, nunca mais sentir posado em mim o olhar de seda dos que me amam. Renunciar a todo o bem possível e imaginário de alcançar nesta vida e, assim, definitivamente, renunciar a todo o mal!
Loucura, febre, vómitos, insónia e mal estar... Uma ânsia que tem tanto de desejo como de medo. O descontrolo de todas as emoções a perda de todas as faculdades... e sempre, sempre esta maldita voz!
Ou então, deixar de ser eu. Encontrar normalidade, equilíbrio na minha vida. Parar de vos perder e de me perder a mim! Deixar de ser eu, sem perder a minha consciência... Paradoxo!
Mas quem, meu Senhor, quem na sua infinita bondade e paciência pode suportar amamentar com benignidade quem lhe trinca os seios?!
Quem, no auge da sua essência, poderá alguma vez recolher-me, aceitar-me e ainda amar-me?
sexta-feira, 2 de julho de 2010
It'Dark, It's Cold, It's Winter
Nem este corpo exausto que despi
Nem os lábios sedentos que poisaram
No mais secreto do que existe em ti.
Não eram meus os dedos que tocaram
Tua falsa beleza, em que não vi
Mais que os vícios que um dia me geraram
E me perseguem desde que nasci.
Não fui eu que te quis. E não sou eu
Que hoje te aspiro e embalo e gemo e canto,
Possesso desta raiva que me deu
A grande solidão que de ti espero.
A voz com que te chamo é o desencanto
E o esperma que te dou, o desespero.
Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'
segunda-feira, 24 de maio de 2010
O dia 24 de Maio deveria ser sempre a um Domingo...
faço tenção de todas as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida.
Há quem vá para o pé das águas
deitar-se na areia e não pensar…
E há os que vão par ao campo
cheios de grandes sentimentos bucólicos
porque leram, de véspera, no boletim do jornal:
«Bom tempo para amanhã»…
Mas uma maioria sai para as ruas pedindo,
pois nesse dia
aqueles que passeiam com a mulher e os filhos
são mais generosos.
Um rapaz que era pintor
não disse nada a ninguém
e escolheu o domingo para se matar.
Ainda hoje a família e os amigos
andam pensando por que seria.
Só não relacionam que se matou num domingo!...
Mariazinha Santos
(aquela que um dia se quis entregar,
que era o que a família desejava,
para que o seu futuro ficasse resolvido),
Mariazinha Santos
quando chega domingo,
vai com uma amiga para o cinema.
Deixa que lhe apalpem as coxas
e abafa os suspiros mordendo um lencinho que sua mãe lhe bordou,
quando ela era ainda muito menina…
Para eu contar isto
é que conheço todas as horas que fazem um dia de domingo!
À hora negra das noites frias e longas
sei duma hora numa escada
onde uma velha põe sua neta
e vem sorrir aos homens que passam!
E a costureirinha mais honesta que eu namorei
vendeu a virgindade num domingo
- porque é o dia em que estão fechadas as casas de penhores!
Há mais amargura nisto
que em toda a História das Guerras.
Partindo deste princípio,
que os economistas desconhecem ou fingem desconhecer,
eu podia destruir esta civilização capitalista, que inventou o domingo.
E esta era uma das coisas mais belas
que um homem podia fazer na vida!
Então,
todas as raparigas amariam no tempo próprio
e tudo seria natural
sem mendigos nas ruas nem casa de penhores…
Penso isto, e vou a grandes passadas…
E um domingo parei numa praça
e pus-me a gritar o que sentia,
mas todos acharam estranhos os meus modos
e estranha a minha voz…
Mariazinha Santos foi para o cinema
e outras menearam as ancas
- ao sol
como num ritual consagrado a um deus! –
até chegar o homem bem-amado entre todos
com uma nota de cem na mão estendia…
Venha a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta:
e eu fique rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
venha a ânsia do peito para os braços!
E vou a grandes passadas
como um louco maior que a sua loucura…
O rapaz que era pintor
aconchegou-se sobre a linha férrea
para que a morte o desfigurasse
e o seu corpo anónimo fosse uma bandeira trágica
de revolta contra o mundo.
Mas como o rosto lhe estava intacto
vai a família ao necrotério e ficou aterrada!
Conheci-o numa noite de bebedeira
e acho tudo aquilo natural.
A costureirinha que eu namorei
deixava-se ir para as ruas escuras
sem nenhum receio.
Uma vez chovia
até entrámos numa escada.
Somente sequer um beijo trocámos…
E isto porque no momento próprio
olhava para mim com um propósito tão sereno
que eu, que dela só desejava o corpo bem feito,
me punha a observar o outro aspecto do seu rosto,
que era aquela serenidade
de pessoa que tem a vida cheia e inteira.
No entanto, ela nunca pôs obstáculo
que nesse instante as minhas mãos segurassem as suas.
Hoje encontramo-nos aí pelos cafés…
(ela está sempre com sujeitos decentes)
e quando nos fitamos nos olhos,
bem lá no fundo dos olhos,
eu que sou homem nascido
para fazer as coisas mais heróicas da vida
viro a cabeça para o lado e digo:
- rapaz, traz-me um café…
O meu amigo, que era pintor,
contou-me numa noite de bebedeira:
- Olha,
quando chega domingo,
não há nada melhor que ir para o futebol…
E como os olhos se me enevoassem de água,
continuou com uma voz
que deve ser igual à que se ouve nos sonhos:
- …no entanto, conheço um homem
que ia para a beira do rio
e passava um dia inteirinho de domingo
segurando uma cana donde caía um fio para a água…
…um dia pescou um peixe,
e nunca mais lá voltou…
…O pior é pensar:
que hei-de fazer hoje, que toda a gente anda alegre
comos e fosse uma festa?... –
O rapaz que era pintor sabia uma ciência rara,
tão rara e certa e maravilhosa
que deslumbrado se matou.
Pago o café e saio a grandes passadas.
Hoje e depois e todos os dias que vierem,
amo a vida mais e mais
que aqueles que sabem que vão morrer amanhã!
Mariazinha Santos,
que vá par ao cinema morder o lencinho que sua mãe lhe bordou…
E os senhores serenos, acompanhados da mulher e dos filhos,
que parem ao sol
e joguem um tostão na mão dos pedintes…
E a menina das horas longas e frias
continue pela mão de sua avó…
E tu, que só andas com cavalheiros decentes,
ó costureirinha honesta que eu namorei um dia,
fita-me bem no fundo dos olhos,
fita-me bem no fundo dos olhos!
Então,
virá a miséria maior que todas
secar o último restolho de moral que em mim resta;
e eu ficarei rude como o deserto
e agreste como o recorte das altas serras:
e virá a ânsia do peito para os braços!...
Domingo que vem,
eu vou fazer as coisas mais belas
que um homem pode fazer na vida!
Manuel da Fonseca
terça-feira, 16 de março de 2010
Alice...
"Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe.
"Beware the Jabberwock, my son
The jaws that bite, the claws that catch!
Beware the Jubjub bird, and shun
The frumious Bandersnatch!"
He took his vorpal sword in hand;
Long time the manxome foe he sought--
So rested he by the Tumtum tree,
And stood awhile in thought.
And, as in uffish thought he stood,
The Jabberwock, with eyes of flame,
Came whiffling through the tulgey wood,
And burbled as it came!
One, two! One, two! And through and through
The vorpal blade went snicker-snack!
He left it dead, and with its head
He went galumphing back.
"And hast thou slain the Jabberwock?
Come to my arms, my beamish boy!
O frabjous day! Callooh! Callay!"
He chortled in his joy.
'Twas brillig, and the slithy toves
Did gyre and gimble in the wabe;
All mimsy were the borogoves,
And the mome raths outgrabe."
sexta-feira, 12 de março de 2010
No outro dia, como por acaso, descobri-a. Tem uma lavandaria, um talho e uma livraria. Ninguém estava nas imediações e ninguém estava dentro das lojas: "Que estranho..." No dia seguinte, assim que acabei de almoçar, levada por uma impulsiva curiosidade, voltei àquele estranha ruazinha. Vi um casal entrar para a livraria e espreitei. Dentro da livraria, um homem de bata branca encaminhou-os para uma estreita porta no fundo da loja. Esperei dez minutos até ver o homem sair da porta, sem o casal, com a bata completamente coberta de sangue, as mãos, a cara: tudo escorria sangue!!! Não queria acreditar no que estava a ver! O que fazer?!
Estavam a matar pessoas e a cortá-las aos pedaços, estavam a vender pessoas aos pedaços! Quem seria capaz de uma atrocidade daquelas?!
Ouvimos um barulho e saímos a correr da sala, corri com a Maria João pela mão sem parar e sem olhar para trás! Quando finalmente tive de parar para recuperar o fôlego, olhei para trás e respirei de alívio: ninguém tinha vindo atrás de nós. Voltei a mandar um pulo com as horas: estava na hora de a Maria João voltar para a escola. Apanhámos de novo o metro.
Mas, então, dos muros da escola da Maria João, vejo os Anjos, vestidos de preto, saltarem o muro e salvarem-me...
sexta-feira, 5 de março de 2010
Inexpugnavelmente Meu
Ando preocupada; terei eu desenvolvido uma obsessão por ti?
Porque não há um dia que não me lembre de ti e raras são as noites em que não me torturas em sonhos. No entanto, quer de noite, quer de dia, não consigo chegar a ti. Olho para ti e não te alcanço, procuro, procuro e não te encontro.
Partiste da minha vida! Viraste as costas e foste. Porque as coisas são assim, porque as coisas são como decides que elas sejam e não permites que sejam de outra forma. Porque esperas tornar-te um deus sem arrependimentos e sem amarguras, um deus solitário adorado e inatingível. Porque esperas vencer-te a ti mesmo e, desse modo, venceres todos os outros. Porque esperas conseguir fazer o contrário daquilo que berra dentro de ti!
Pensamentos intrusivos, repetitivos e persistentes que me causam angústia e agonia... Pensamentos inevitáveis que me enojam e me dilaceram. Porque "life is too short" ou "everything happens for a reason" são clichès que abomino e desprezo! Cheiram a tripas de peixe podre as bocas de quem consegue pronunciar irresponsabilidades descebradas como estas! Coitados...
Ah! Que o dia acabe! Que termine rápido e que o sono me traga um lenitivo o aperitivo da morte! Que o dia termine e que mais nada exista no meu mundo do que os teus braços à minha volta. Que o teu abraço me proteja de todos os demónios que me assaltam impiedosamente...
Que sejas delirante, vibrante, excitante e inexpugnavelmente MEU!
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
Solidão Ontológica
Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
e ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem
Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum dar-se de outro se refracta,
nehum ser nós se transmite.
Quem sente o meu sentimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou eu só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou eu só, e mais ninguém.
Dão-se os lábios, dão-se os braços
dão-se os olhos, dão-se os dedos,
bocetas de mil segredos
dão-se em pasmados compassos;
dão-se as noites, e dão-se os dias,
dão-se aflitivas esmolas,
abrem-se e dão-se as corolas
breves das carnes macias;
dão-se os nervos, dá-se a vida,
dá-se o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
dá-se tudo e nada fica.
Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este oferecer-se de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarçe,
virgem de mal e de bem,
este dar-se, este entregar-se,
descobrir-se, e desflorar-se,
é nosso de mais ninguém.
António Gedeão