sexta-feira, 31 de julho de 2009

A Semântica de Deixar: requero-te

São 674 páginas sobre a semântica do verbo deixar arduamente (suponho!) produzidas por Augusto Soares da Silva.

Vá, não baixem já a janela a pensar que esta entrada trata sobre pseudo-intelectualismo linguístico. Sim, convenhamos que nada caracterizado de intelectualismo linguístico possa ser dito ou escrito sem se encontrar devidamente acompanhado do respectivo prefixo “pseudo”.

Mas voltando à vaca fria (eu, portanto): isto é interessante, pessoas! Atentem! Como é que se podem escrever 674 páginas sobre a palavra deixar? Como catalogar este admirável senhor? Muitos e variados adjectivos me ocorrem (confesso) mas revelarei apenas um substantivo como forma de assegurar a validade desta minha intervenção: respeito.

Esta não é apenas uma contribuição para a abordagem cognitiva em Semântica Lexical, esta é a História de toda a vida humana do ponto de vista de uma só palavra. Portanto, a ver vamos: se deixar pode ser entendido com uma suspensão da acção na sua acepção mais vulgar: “O Osvaldo deixou a nota de cem na mesa-de-cabeceira.”, o verbo no Modo Imperativo já aparece como um impulso para a acção: “Osvaldo, deixa a nota de cem na mesa-de-cabeceira.”. Mas deixar também pode ser entendido como uma não intervenção: “Cipriano pediu-me para ir ver um concerto de Come Restus e eu deixei-o ir.”. Apesar de conhecer o carácter susceptível de Cipriano, eu não intervim e autorizei a sua vontade. No entanto, se eu desejasse bem ao Cipriano expor-lhe-ia um discorrer de argumentos que o colocariam mais ciente do que é um concerto de Come Restus e então: “Perante a razão dos argumentos que invoquei, Cipriano deixou-se convencer.” Que é como quem diz: deixou-se levar. No entanto, deixar aqui ainda mantém o valor de não intervenção. Eu não me oponho a Cipriano em primeiro lugar e em último Cipriano não se opõe a mim, tal como o assunto não se oporá a mim se eu o deixar de lado. Do mesmo modo, se eu me deixar cair desta cadeira, também se trata de uma autorização, eu não intervenho na minha própria queda. Mas deixar o Cipriano ir ver Come Restus e deixar o Cipriano em Come Restus já é completamente diferente, acima de tudo para o Cipriano, que é um tipo sensível.

Se tudo isto vos está a deixar na dúvida, compliquemos um pouco mais o assunto. Eu amo muito o meu Anacleto, mas ele tem um defeito que não suporto em ninguém: deixa-se influenciar com muita facilidade. Ora, por isto eu estou a pensar em deixar o meu Anacleto! Podia deixar tudo como está e deixar as coisas andarem, mas ao deixar o Anacleto, vou finalmente deixá-lo em paz, deixá-lo ser quem ele é na verdade. Não o vou expulsar logo de casa, vou dizer-lhe que se deixe ficar, mas mais cedo ou mais tarde ele terá de deixar aquela que foi a nossa “toca” (a bela casa de praia que a minha avó me deixou) e deixaremos de nos ver e, eventualmente, deixaremos de nos falar. As minhas amigas dizem-me para não o deixar, que ele é o melhor homem que alguma vez encontrei, mas a minha decisão está tomada e nunca deixei de cumprir com aquilo que decidi.

Mas isto não é uma entrada sobre o Anacletinho, é uma entrada sobre deixar e não vou deixar que a divagação se ocupe de mim. Em suma, podemos observar que o verbo deixar compreende dois grupos semânticos que se opõem apenas quanto à construção conceptual do objecto sintáctico: suspender a interacção e não se opor ao que se apresenta como dinâmico. As duas categorias são funcionalmente diferentes, apesar de ambas se gramaticalizarem, mas não obstante a sua tensão homonímica, o “complexo” de deixar apresenta uma certa coerência interna (digam lá se não é verdade!). Deixar apresenta-nos um fundo imagético, exprime um processo conceptual e semanticamente marcado pela negação, deixar é um verbo onomasiologicamente saliente, não apenas nos domínios psicológico, social e moral, mas também no domínio espacial.

A significação de deixar é um processo contextual flexível e é devido a essa maleabilidade que todos nós podemos resumir a maior parte da vida humana a deixar, pois o comportamento de deixar revela, quer no uso actual, quer diacronicamente, importantes mecanismos, modelos cognitivos e modelos culturais e sociais.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Grande homem... autor de profundas e inesquecíveis críticas literárias:
"Gostava muito do Esteves Cardoso, era um gajo giro. Agora está a fazer o quê? Engordou muito, não foi?".
Autor também de sábias lições económicas, as suas palavras são ainda hoje e para sempre serão relembradas entre os grandes governantes a braços com o verdadeiro monstro que é a crise. Ouçamos:
"Repare nas minhas calças: sou o gajo das calças curtas. Porquê? Porque não mando fazer um fato desde 1957 ou 1958! E por acaso tinha um bom alfaiate, mas o último fato não paguei e nunca mais lá fui... "O gajo anda de calças assim para provocar, para se mostrar original.". Não é! Eu vejo aí é calças a três e quatro contos, e eu ia dar três contos por um par de calças? Jamais de ma vie, porra!."
Profundo amante, será sempre relembrado no coração e alma das mulheres que com ele partilharam a vida:
"Estupro é: um gajo dava uma foda e apanhava com um processo. Depois tive outro por rapto e estupro, esse era pior. Por causa dele apanhei alguns meses. Foi com a mãe do Paulo. Um tipo, depois de preso, podia negar: "Não, não fui eu, foi engano. Não era para lhe ir à cona, era só para mexer no umbigo..." Mas eu disse logo: "Fui eu!".
O único até hoje capaz da melhor tradução portuguesa do Dicionário Filosófico de Voltaire:
"Estava então a escrever como negro e a traduzir o Dicionário Filosófico (de Voltaire) para a Presença, mas quem assinava a tradução era o Bruno da Ponte. Eu tinha de o fazer porque era a única fonte de dinheiro, e numa parte ele refere-se a um daqueles malucos profetas da Bíblia que faziam uma espécie de pão com excremento de vaca. Eu estava chateado e o que é que fiz? Escrevi: "Nota do tradutor: é o que chamariamos hoje deliciosas sandes de merda."(risos) Esqueci-me, e aquilo lá saiu em nota do tradutor, que era o Bruno da Ponte. Ele ficou um bocado magoado."

Por o considerar no meu top 3 dos grandes escritores portugueses, porque me apaixonei perdida e irremediavelmente pela inigualável e inabalável personalidade que nunca conheci em homem algum, perpetuo neste modesto espaço da www a mensagem que, Luiz Pacheco, ele mesmo, proclamou para todas as gerações vindouras:
"Puta que os pariu!"

terça-feira, 14 de julho de 2009

Sugus de Morango

Tardes intermináveis que acabam sempre como não desejo que terminem. Tardes intermináveis que desejo que nunca cheguem ao fim! As palavras brincam comigo no ecrã do computador, nos livros, nas bocas… Nunca as palavras que quero ouvir, nunca as palavras que deveria ouvir mesmo não querendo, palavras que não rasgam, nem remoçam, nem esventram, nem atingem.

A memória de ti estes dias comigo, olhar para ti e pensar na tua mulher e olhar para mim e pensar que eu poderia ser a mulher de alguém. A falta em interminável luta com a individualidade… Mas não! Nunca! Nunca pertencer a nada, nunca pertencer a ninguém! Mil vezes repetir se mil vezes forem necessárias: nunca mais voltar a cometer os mesmo erros! Então porquê? Porquê novamente a mesma possessão, o mesmo assombro, perdição, desilusão, raiva, mágoa e angústia, os mesmos erros?

Olhar a esquina por onde desapareceste e nunca mais tornaste. A esquina imaginária dentro da minha cabeça que não se apaga. A esquina onde me prostituo todos os dias acreditando que um dia serás tu quem me procura. O amor da minha vida, o meu marido, o homem da minha vida, a minha metade… Saudades quando ele me chamava “minha metade”, saudades quando ele me chamava “minha deusa”, “minha magnólia”, “mulher da minha vida”, “minha jóia do Nilo”… Saudades do que nunca foi mais que um sonho na minha cabeça, uma ilusão dos meus sentidos, uma bebedeira da minha racionalidade! Porque é que foste? Porque partiste? Porque tiveste de atravessar o Atlântico para eu não te ver? Porque não estás aqui, não me abraças e não me ensinas de novo a beijar? Eu esqueci o que é um beijo, e depois esqueci o que é o amor, e depois esqueci o que era a paixão, e depois esqueci o que era uma relação, até que finalmente esqueci quem eu própria era! E mesmo assim, se todos viessem, era a ti que eu escolhia, era a ti a quem entregaria a tão desejada Camelot, era a ti que faria rei para toda a eternidade! Mas nem eu largo a pedra, nem tu me puxas da pedra, nenhum torna, nenhum permito que torne, nunca, nunca mais!

Que venha toda a ânsia, toda a angústia, toda a felicidade, todos os homens e todas as mulheres.
Não largo esta pedra enquanto não for a tua mão a segurar-me, meu rei!

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Ao Crepúsculo

Não...
Depois de te amar eu não posso amar mais ninguém.
De que me importa se as ruas estão cheias de homens esbanjando beleza e promessas ao alcance das mãos;
Se tu já não me queres, é funda e sem remédio a minha solidão.
Era tão fácil ser feliz quando estavas comigo.
Quantas vezes sem motivo nenhum, ouvi teu riso, rindo feliz, como um guizo em tua boca.
E a todo momento, mesmo sem te beijar, eu estava te beijando...
Com as mãos, com os olhos, com o pensamento, numa ansiedade louca.
Nosso olhos, ah meu deus, os nossos olhos...
Eram os meus nos teus e os teus nos meus como olhos que dizem adeus.
Não era adeus no entanto, o que estava vivendo nos meus olhos e nos teus,
Era êxtase, ternura, infinito langor.
Era uma estranha, uma esquisita mistura de ternura com ternura, em um mesmo olhar de amor. Ainda ontem, cada instante uma nova espera,
Deslumbramento, alegria exuberante e sem limite.
E de repente... de repente eu me sinto como um velho muro.
Cheio de eras, embora a luz do sol num delírio palpite.
Não, depois de te amar assim,
Como um deus, como um louco, nada me bastará e se tudo tão pouco,
Eu deveria morrer.

Pablo Neruda

quarta-feira, 8 de julho de 2009


Quadro de Edward Munch intitulado "A Dança da Vida". Este quadro representa as três fases da vida da mulher: a virgindade, o amor e a viuvez.
Bem, claro que não necessariamente por esta ordem, aliás, por ordem alguma que se possa estabelecer nesta vida, neste mundo. O que interessa é que este quadro é simbolista e que os símbolos com que nos confronta são de uma brutalidade desonesta que nos confronta e que sem qualquer pudor esmurra as nossas entranhas, exactamente naquele sítio inefável, cientificamente inexistente, mas espiritualmente inegável, a caverna sem fundo onde se alojam todos os fins do mundo, o lugar onde estão os nossos sentimentos. Nus, impotentemente expostos, a dança da vida valsa-nos descontroladamente. Melhor do que alguma vez poderei eu dizer: "aquilo que se faz por amor ultrapassa os limites do bem e do mal." Friedrich Nietzsche

terça-feira, 7 de julho de 2009

Style

Style is the answer to everything.
A fresh way to approach a dull or dangerous thing
To do a dull thing with style
is preferable to doing a dangerous thing without it
To do a dangerous thing with style is what I call art.
Bullfighting can be an art
Boxing can be an art
Loving can be an art
Opening a can of sardines can be an art.
Not many have style
Not many can keep style
I have seen dogs with more style than men
,although not many dogs have style.
Cats have it with abundance.
When Hemingway put his brains to the wall with a shotgun,
that was style.
Or sometimes people give you style
Joan of Arc had style
John the Baptist
Jesus
Socrates
Caesar
García Lorca.
I have met men in jail with style.
I have met more men in jail with style than men out of jail.
Style is the difference, a way of doing, a way of being done.
Six herons standing quietly in a pool of water,
or you, naked, walking out of the bathroom without seeing me.
Charles Bukowski
Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura.
Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio.
Afinal o que importa não é ser novo e galante -
ele há tanta maneira de compor uma estante.
Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício.
Não é verdade rapaz? E amanhã há bola antes de haver cinema madame blanche e parola!
Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita genteque come.
Que afinal o que importa é não ter medo de chamar o gerente
e dizer muito alto ao pé de muita gente: Gerente! Este leite está azedo!
Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo...
No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra.

Mário de Cesariny

At the drive-in

Dora, a fumar que nem Afonso Henriques, acabou de anunciar ao mundo que não gosta de caril.