segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Boletim de Vacinas

Hoje, quando acabei de subir as escadas que me conduzem à entrada da porta do meu apartamento no segundo andar e tirei a carteira para passar o passe de forma a abrir a porta, percebi que algo estava realmente errado. Tive de me sentar nas escadas do prédio para me rir sem cair! No Domingo já me devia ter realizado disso depois de ter dito que 8+8 eram 10, mas mesmo assim quis acreditar que não enganando-me a mim própria: isto é cansaço… se calhar foi má ideia não ter férias este ano… Mas a verdade é que “algo” não pode estar bem. Tem sido um ano louco e sei que é irracional desejar que o ano vire, mas… Bem, eu não preciso da viragem do ano, na verdade só preciso da viragem do mês. Tudo será diferente, mais uma vez! Todos os meses a minha vida tende a mudar radicalmente e como eu gosto disso. Mas apesar de a minha vida mudar, as coisas à minha volta parecem sempre as mesmas, as pessoas sempre as mesmas, imersas na sua bílis negra.
Depois do pânico, da revolta, do medo e finalmente da aceitação do cancro, do tumor maligno que ia de certeza acabar comigo em menos tempo que tinha previsto… tudo se desmancha e tudo volta a ser mais do mesmo. Quase que teve piada! Podemos brincar umas com as outras dizendo que é a senilidade ou a menopausa que chegaram mais cedo, mas sabemos que estes 27 anos, na realidade, correspondem a muitos mais. Os anos de vida pesam-se em dor e quando penso nisso até custa a acreditar em tudo o que já vivemos, tudo o que já passámos, tudo o que já vencemos e alcançámos. Foi muito mais do que alguma vez acreditaria ser capaz de abarcar, tenho orgulho em mim por ser muito mais do que alguma vez acreditaria.
Passadas as águas, o que mais custa é perder as pessoas. Há pessoas da minha vida de quem me lembro todos os dias. Para uma pessoa tão distraída como eu, este é fenómeno exuberante! Mas é verdade, a injustiça da falta, a dor da ausência são coisas que não me passam. Tatuam-me de verdade… Um dia, fico cega com tanta coisa que vejo sem estar na minha frente!
Mas todos os dias são bons, todos os dias são saborosos! Uma viagem a Sete Rios e descobrir um alfarrabista que afinal era tudo menos desconhecido, apanhar o conhecido suburbano até ao Oriente e ver o pôr-do-sol. Sintra, teatro, cinema, jardins, Lisboa INTEIRA para mim, coisas novas, pessoas novas, experiências novas, todos, todos os dias. E, no entanto, se puder não abdicar da mesma esplanada vermelha onde tomo o café da tarde todos os dias… não abdicarei nunca! O paradoxo entre o prazer do tudo renovado e o prazer do conhecido e seguro. Saber que posso tentar o Sol a derreter as minhas asas e saber que lá em baixo estarão os de sempre para me agarrarem.
A minha vida é uma maravilha, depois da sombra da morte ter passado, parece que só coisas boas chegam a mim. Olho para os outros, vejo-os na minha vida antiga: o trabalho de sempre, a rotina de sempre, as pessoas de sempre com as conversas de sempre. Pessoas que me deixam, pessoas que me fogem, pessoas que me desiludem, casamentos que ruem, amizades que se desfazem, namoros que me horripilam… vidas que acabam… Na minha fase boa em que tudo é novo e todos os dias bebo em golfadas a surpresa, o inesperado, a independência, que me bebo a mim própria mais eu em todos os extremos que nunca fui. Eu, eu, eu em todas as minhas vertentes puras e extremistas e como nunca mais quero deixar de ser EU!
Mas depois do meu dia em que fui rainha no meu mundo de fantasia, heroína do meu Destino, dona do meu querer… nada me sabe tão bem como te encontrar, como sentar o meu à vontade à boca de cena contigo, como poder abraçar-te e ter a certeza absoluta que vou sentir o teu Boletim de Vacinas no bolso direito interior do teu casaco.

2 comentários:

  1. "Passadas as águas, o que mais custa é perder as pessoas. Há pessoas da minha vida de quem me lembro todos os dias. Para uma pessoa tão distraída como eu, este é fenómeno exuberante! Mas é verdade, a injustiça da falta, a dor da ausência são coisas que não me passam. Tatuam-me de verdade… Um dia, fico cega com tanta coisa que vejo sem estar na minha frente!"

    Simplemente amei esta parte! =]

    Continua a escrever! Adoro o que escreves! Tens uma maneira completamente diferente de dizer tudo o que queres! Adoro isso em ti.

    Beijos cotinha =D
    Joana

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